sábado, 1 de abril de 2017

ATRIZ CIRLENE LOPES DECLAMA POEMA EM REUNIÃO DA ALUZ

Poema
Resto de Carne Cativa


Atriz Cirlene Lopes, de Ribeirão das Neves, empolga público declamando poema de Geraldo França


(Canto de abertura)

"A Sinhá tá chamando. 
Ô vida! 
Com chicote na mão. 
 ô vida! 
Eu não sou negra dela.
Ó vida! 
Eu não quero apanhar. 
Eu não vou lá.
Eu não quero apanhar.
Eu não vou lá."

 (Declamação)

A Sinhá tá chamando. Mas eu não vou lá. O Sinhô tá chamando. Também lá não vou. Eu não sou mais negra deles. Não vou não senhor. Sou carne de cativo que o destino reservou.

A minha carne é uma herança de cativa maltratada. Sequestrada no deserto.
Atraída pelo doce e pelo som do tamborim. Foi retalhada no chicote e salgada no negreiro. E vendida a preço alto lá no pelourinho. 

A minha carne mazelada. Transportada acorrentada. Leiloada foi vendida à escolha do freguês. 

Foi a única que chegou no Brasil pra trabalhar. Não veio para roubar. 
Não veio para matar. Nem tão pouco explorar. 
Como a carne branca fez.

Minha carne pouco fala. Estragada no racismo, se fala o chicote estala. Criticada ao misticismo, é carne que ouve e cala. Sou raça de negro velho Criado numa senzala. 

Bisneta de negra velha, 
odiada pela cor. Torturada na senzala. Massacrada pela dor. Sem direito ao sentimento e a escolha de um amor. Sem direito ao casamento, pra criar os seus rebentos e às vezes violentada nas mãos de reprodutor.

Sou carne religiosa, sem direito a amar a Deus. Sou carne de mãe babá, sem poder cuidar dos meus. Sou carne de benzedeira, carne que bate pandeiro. Carne que rufa tambor, batucando no terreiro. 
Fuma cachimbo e charuto, queima incenso e faz fumaça. Sem direito a pão e vinho.

Só posso beber cachaça.
Uso folhas de guiné.
Pra curar o mal de espanto 
e raminho de arruda, 
pra poder benzer quebranto. Por causa das minhas crenças. Me chamam de feiticeira, macumbeira e mãe de santo. 

Dizem que sou filha do diabo. Que sou carne do diabo. Dá medo até de falar. Mas com certeza Deus é bom! Tudo que eu peço ele me dá.
O diabo eu não sei, e, nem posso falar nele. Pois eu não conheço ele. Também não sou quenga dele. Se ele é bom ou é ruim.


Nunca pedi nada pra ele.

Apesar da carne negra.
Também tenho os meus encantos. Não preciso de mandinga, 
para dar prazer aos brancos. Quando prova da negrinha se encanta. Fica bobo e fica franco.

Minha carne é carne negra. 
Mas não é carne de churrasco. Nem é carne de moqueca. 
Eia é carne de trabalho. Encardida na fumaça, 
sapecada no borralho. Esturrada na cozinha. 
Sabor de pimenta e alho. 
Hoje em dia a minha carne.
Não tem preço no mercado. É carne negra sem valor. Estragada com odor. 
Mi desculpe meu senhor! 
Se minha carne tem odor! É o cansaço do trabalho 
e o jorro do suor. A imundice do negreiro, 
o desleixo da senzala e a ferida da chibata, 
que até hoje não curou.

(Canto de encerramento)

"Se fosse treze de maio 
Muita gente ia ver.
Eu daria uma festa bonita.
Pro povo rico entender.
Pois a princesa libertou.
E o mundo inteiro chorou.
No dia treze de Maio.
A escravidão acabou.
No dia treze de Maio.
A escravidão acabou."


 Geraldo França 
 28/02/2017

Um comentário:

  1. Parabéns a você Cirlene e a todos os membros da família ALUZ. Fico muito contente com o progresso desta jovem academia.

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